Comunidade Livre de Pasárgada
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Em 03 de fevereiro, de 2007
Eu não sei bem quem me despertou primeiro: se foi o Magister Mor, com aquela maldita bengala que ele insiste em chamar de cajado, ou se foi o meu galo na testa!! Sem falar que sou extremamente alérgica a rapé... e pra que serve?! somente pra espirrar!! ai, ai, ai... já vi que essa prova vai ser mais difícil do que eu imaginava.

Nossa, como foi dificil dormir... menos de meia hora de descanso e tive que me levantar para dar continuidade às tarefas.

Pois bem, segui o Magister até a sala da lareira. Todos encontravam-se sentados e juntei-me a eles. Quase ganhei outro galo! sorte a minha ter desviado quando o Magister Mor atirou o livro sobre a mesa (detalhes, detalhes). Começamos então a folhear aquele compêndio que mais parecia um enorme peso (e que peso!) de papel. Desajeitada como sou, tive até receio em manusear tal documento. Sinceramente foi a melhor coisa que fiz... vou explicar:

Assim que as primeiras páginas foram lidas comecei a sentir-me esquisita outra vez. Pensei ser algo natural, já que nunca fui acostumada com bebidas quentes. Carpal definitivamente não fazia a minha cabeça, salvo o gigantesco galo que ganhara de presente poucas horas atrás.

A história parecia-me mais e mais interessante, a cada linha desvendada. A curiosidade cresceu mais quando apareceu (literalmente) um antepassado meu... Hélio Pessoa.

- Psíuu!! Vocês falam muito! Como posso ter atenção ao manuscrito? - eu disse.

- Caríssima Danielle - respondeu educadamente Rubens - Como assim nós fazemos barulho? há mais de uma hora que paira um silêncio ensurdecedor neste recinto!

- Tá bom, tudo bem, mas falem mais baixo da próxima vez... - eu disse meio desconfiada e não querendo dar o braço a torcer de que havia algo errado por ali.

"(...) então em 11 de abril o comandante das tropas da cidade Helio Pessoa, vai de encontro ao acampamento Margoriano com 322 homens (...)"

- Uau, Comandante das tropas?!?!? - sussurava eu, com os olhinhos arregalados e muito orgulhosa!

- Ah sim... como poderia eu não tomar a frente na batalha de minha vida? - uma voz se pronunciou...

- O que você disse, Rubens?? - perguntei...

- Hã??? eu não disse nada?! - respondeu Rubens;

- Fábio? Anderson? Que brincadeira é essa??? - indaguei-os franzindo o cenho, mas com minhas dúvidas;

- Caro Magister Mor, não seria mais adequado que a mademoiselle retornasse aos seus aposentos? parece-me que ela não está passando bem... - argumenta Rubens;

- Resistir é preciso. Não se aborreçam por pouca coisa, ela ficará bem. - retorquiu o Magister Mor.

Eu detesto quando falam de mim como se eu não estivesse presente, de qualquer forma, deixei as coisas acontecerem.

- Pensei que você fosse mais esperta! Não percebes que sou eu e não eles que estão a falar contigo?? também pudera, essa ave em tua testa não te deixas pensar!!!! - novamente aquela voz... a voz do sonho, a voz na sala central, a voz na sala da lareira. Antes eu estivesse ficando surda!

Olhei para os lados; nenhum balbucio, nenhuma expressão suspeita, nada que pudesse indicar que aquela voz era de algum dos presentes na sala. Apesar da lareira ardendo em chamas, sentia um ar gélido correndo em minhas veias, me paralisando por inteiro.

Comecei a fazer uma reflexão... ta certo que isso havia acontecido anteriormente, mas eu jurava que era efeito do absinto!!!

- Ai, ai - eu disse com uma voz baixa e trêmula;

- Danielle,você está bem???? disse Fábio;

"I see dead people", foi a primeira coisa que me veio à cabeça para responder ao Fábio, entretanto eu não via nada... até então eu apenas ouvia vozes que eu pensava ser da minha consciência. Bem que eu achei estranho, uma vez lá em Icária, quando a minha consciência pediu pra comprar mais absinto, se eu nem gosto de beber!!!... Ah!! esquece!!

Eu já havia chamado muito a atençao, e começar a falar sozinha, gritando pela sala não seria uma boa estratégia. Além de ser a única mulher no recinto, os demais já estavam me olhando atravessado, receosos, sabem??

E achei melhor continuar lendo o documento:

"Em 1218 - A construção do Forte do Monte inicia-se em 1 de janeiro, sob a supervisão do senhor daquelas terras, o Don Armando Figueiredo."
"Em 29 de maio de 1224 é avistada tropa margoriana marchando para o sul, se aproximando do Forte do Monte."

E continuei ouvindo aquela voz, praticamente narrando todo aquele histórico. Eu já estava até me acostumando?! De repente...
Vejo-me na guerra (olhos atônitos, focados no horizonte), durante a batalha!! Tudo passa perante meus olhos, tão claro como copo d'água.

"Em 15 de outubro de 1225 Armando Figueiredo e Hélio Pessoa receberam honras militares por seus feitos em campo de batalha, as quais foram recusadas pelos mesmos que disseram que matar não é uma coisa digna de admiração ou prêmio, ambos cansados e traumatizados pela guerra deixaram Cenit indo junto com suas famílias para Icaria onde diriam eles, que poderiam levar suas vidas sem as horríveis lembranças."

Agora entendi tudo!!!

"1233 - Otto Racoski cria em 15 de setembro o cemitério militar Fortaleza dos Guerreiro Mortos para colocar os corpos dos soldados mortos no Forte do Monte(...)"

E eu vejo a Fortaleza e todos aqueles corpos... Argh! consigo sentir o cheiro de putrefação!! (e nessa hora tentando controlar a ânsia de vômito). Mas os corpos não foram levados à Fortaleza.

Os fatos eram lidos por todos mas eu não, eu os vivenciava: cada vírgula, cada ponto, cada reticência eram flashes dos acontecimentos relatados naquele livro e também do que não foi registrado...

"1324 - A guerra continua e em 1350, Cenit vence invadindo Margória e matando todos os seus habitantes, para que nunca mais oferecesse risco. Franz Racoski mandou que jogassem sal nas terras margorianas para que nada lá nascesse novamente, porém a maior perda de Cenit além das vidas humanas foi que nunca mais se viu a Pedra Filosofal, pois o Magister Mor Maurizio morreu antes do final da guerra e seu filho que o sucedeu não sabia onde seu pai havia guardado. Seu filho dizia que Maurizio certas vezes costumava falar com o nada. Dizia ele que falava com um espírito, o espírito de Helio Pessoa, o antigo chefe da guarda de Cenit. Maurizio terminou seus dias louco."

- Louca??????? eu não sou louca!!!!! - ops! escapuliu...

- Err, desculpem-me... na verdade o que eu ia dizer era: O Forte do Monte!!

Então todos olham na minha direção e eu repito:
- Isso mesmo, é o Forte do Monte. Eu vi Maurizio correndo naquela direção!!! Não sei ao certo se a Pedra está lá, mas é lá, com certeza, que encontraremos a próxima pista.

- Você viu? - perguntou Rubens;

- Como assim você "viu" ? - disse Anderson;

- Tem certeza que você está bem, Dani? disse Fabio;

Já eram 6:52 da manhã, o sol raiava no horizonte e todos os três pensavam que o que eu precisava mesmo era de uma boa cama e umas 8 horas no mínimo de sono profundo.

- Creio que agora é o momento de explicar algumas coisas a todos vocês, inclusive a você, Danielle. - disse muito calmamente o Magister Mor, com um leve risinho no rosto.

Antes de prosseguir, bebericou um pouco mais de seu Carpal enquanto observava atentamente a expressão de cada face.


Continua em VII - De Volta à Guerra, por Leonardo Antonini

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